UM BANQUETE PARA O IMPERADOR

 


 

 

1º ato

Era um dia de clara manhã, um sábado, 30 de abril de 1881. Um clima de um agradável frescor exalava pelo ar, uma brisa ligeira passava com leveza esvoaçando os cabelos das senhorinhas. Pássaros trilavam nos arvoredos, era um dia especial, um incomum dia festivo na pequena e monótona “Feijão Cru”, alcunha da pacata cidade de Leopoldina

Bandeirolas coloridas eram açoitadas pela brisa e se estendiam por todos os lados.

Faixas de saudações afixadas nos telhados e arredores da estação continham mensagens de boas-vindas.

 A movimentação era intensa e quebrava a rotina do lugar.

 Autoridades em trajes de gala e gente de toda classe social se reuniam na praça da estação, todos trajados com suas melhores vestes.

 Crianças corriam enquanto cães latiam e também brincavam.

 Bandas musicais emitiam sons de diversos timbres, ajustando a afinação dos instrumentos, o que causava uma algazarra ainda maior.

Carroças puxadas por mulas trotavam pra cá e pra lá.

 A euforia e um burburinho de conversas acrescentavam um certo ruído incomum ao ambiente da cidade.

Nas rodas de pessoas o assunto era um só, só se falava nisso, pairava um ar de ansiedade e curiosidade contaminando todos.

Eis que uma voz estridente se faz ouvir, alguém anuncia a plenos pulmões:

 

2º ato

No solar nº 29 da rua Municipal, a bela residência do Juiz Municipal dr. F.  P. Fernandes, local onde seria oferecido um banquete a S.M. e comitiva, a movimentação era intensa há mais de uma semana. ( Em 1925 placa comemorativa da visita do Imperador foi afixada pelo prefeito Carlos Luz. Esse imóvel foi totalmente descaracterizado. A placa foi retirada e hoje encontra-se em algum lugar na prefeitura Municipal.)

Na casa, movimentação intensa. Jardineiros labutavam no belo e florido jardim de inverno; limpeza e pintura de paredes, embolsadas e levantadas com grandes tijolos de adobe e palha; os assoalhos eram encerados; assim como portas e janelas, os assoalhos eram de Pinho de Riga, importado da Europa, madeira muito apreciada devido a sua textura formada por nítidos veios e cheiro peculiar, quase imune a cupins. Os escravos, que eram vários, eram símbolo de estatus e cuidavam dos afazeres domésticos. A todo momento chegavam mercadorias e encomendas, e tudo tinha que estar em conformidade com as regras e etiquetas ditadas pela Corte.

 Da cozinha, que naqueles dias era o verdadeiro coração da casa, exalavam aromas de temperos e condimentos que exaltavam o talento e a ciência dos atores em sua utilização nos peixes, aves, cortes nobres de carnes vermelhas, ovos, cereais e legumes. As negras cozinheiras chefes e suas ajudantes usavam asseados e impecáveis trajes brancos, toucas e aventais. 

Vários fogões alimentados a lenha, onde repousavam enormes e pesadas panelas de ferro fundido, e utensílios que transformavam os alimentos, segundo velhas e tradicionais receitas,  deixavam o ambiente pleno de vapores sensoriais e aromáticos, estimulando as pupilas gustativas das cozinheiras e convidando-as a provarem o ponto certo do sabor e cocção das iguarias. Quem passava do lado de fora da casa dos Fernandes lambia os beiços e sempre tecia algum comentário sobre aqueles insólitos aromas, dignos da realeza...

 

3º ato

Dias antes.

Um clima de alvoroço dominava e envolvia toda a cidade, afinal era a primeira vez que nossa terra recebia a visita de um chefe de Estado e mais ainda, do prestígio e carisma de suas Majestades Imperiais: Dom Pedro de Alcântara e D. Tereza Cristina.

 Nos dias que se antecederam, chegou ao conhecimento do conselho eclesiástico e do comitê organizador dos preparativos da recepção que a Câmara Municipal se recusara a participar dos festejos, decidindo boicotar o evento (sabido que eram opositores republicanos, mais tarde apoiariam o golpe, ”sem armas” que destituiria o Imperador, implantando a Republica).

 Logo, autoridades municipais trataram que se deliberasse subscrição pelo povo para que se obtivessem os recursos necessários de forma a custear os respectivos festejos. E assim foi feito, tratando-se logo de formar comissão especial composta de membros representativos de vários setores sociais, arrecadando-se recursos que custeassem os eventos. Assim ficou decidido nomear comissões de recepção a S. Majestade em nome de diversas classes: clero, justiça, política, corte, instrução, saúde, educação pública, lavoura, comércio, indústria e imprensa. Feito isso, trataram de providenciar os arranjos.

 

4º ato

“Está vindo, está chegando, o imperador está chegando”, bradava um eufórico cidadão que insistia em anunciar. Os sons da máquina já se faziam ouvir, tchec-tchtchek-tchik-tchek... eis que o trem imperial já despontava à altura da reta do km 11 (hoje, imediações de supermercado no bairro Bela Vista) e vinha a todo vapor, soltando fumaça pela chaminé, emitindo apitos prolongados, avisos de alerta, de chegada... o cheiro de lenha queimada e a fumaça tomavam conta dos ares.

 Por volta de 11:30 h, a locomotiva encosta na estação. A euforia era geral.

A população explode em entusiasmados vivas, urras e aplausos aos ilustres visitantes. Girândolas são alçadas ao ar, no trajeto da linha férrea, ali naquelas imediações que pertenciam à Fazenda do Desengano (sempre achei simpático esse nome).

Essas girândolas foram colocadas em diversos pontos da cidade, em frente a estação e em suas proximidades, no adro da Matriz, no alto do antigo e do novo cemitério. A máquina a vapor já estava bem próxima da estação quando foram saudados por uma salva de 21 tiros.

Fogos de artifício se fazem ouvir, acesos por vários fogueteiros por toda acidade, estampidos ensurdecedores, crianças tapam os ouvidos, cães disparam em desenfreada carreira.

 

5º ato

O trem para na estação e a máquina solta um chiado característico de esfriamento de vapor, sshiiishssihchsss...

Ao desembarcarem, Suas Majestades e comitiva são recepcionadas pelas respectivas comissões, cumprindo o protocolo, em meio ao povo que se acotovelava na tentativa de se aproximar. Ao pisar no solo da cidade, três bandas de música juntas executam os primeiros acordes do Hino Nacional, cuja letra é cantada com profunda reverência por todos os presentes.

Após esse ato solene, uma comissão cumprimenta o Imperador em nome de vários setores sociais. Em seguida, a comitiva Imperial segue para a Matriz acompanhada pelas três bandas: a primeira regida pelo maestro Antônio Fernandes Dunga ; a segunda, e a pouca distância, dirigida pelo maestro João Afonso Vianna; e a terceira pelo maestro Francisco Casemiro da Costa, que executam durante o trajeto belos dobrados de cunho cívico.

 

6º ato

Ao se dirigirem para a igreja matriz foi utilizado no transporte de suas majestades um “troller” puxado por um par de cavalos. Ao chegarem ao sopé da ladeira, que ainda não era ajardinada, os animais não conseguiram mover o carro, que teve que ser empurrado por voluntários e pessoas conceituadas da cidade. Ao chegarem ao adro da igreja matriz foram recebidos pela Irmandade do Santíssimo Sacramento e acompanhados até o altar onde teve lugar o Te- Deum. Após a cerimônia, Sua Alteza dirigiu-se ao colégio de meninos e meninas, quando anotou em suas observações ser “sofrível o nível de ensino” local. Em seguida, visitou a velha Cadeia Pública; certo é que ficou muito impressionado com um horrível “Tronco” de suplício. De imediato, mandou chamar o Delegado Pestana de Aguiar, para que retirasse do local aquele instrumento de tortura.

 

7º ato

 Suas Altezas, cansadas da viagem e, carecendo de realizarem suas higienes pessoais e repousarem um pouco, dirigiram-se então para a residência dos Fernandes onde lhes aguardava uma fina recepção e um concorrido banquete. À hora de servirem o banquete, Dom Pedro, com a simplicidade que lhe era peculiar, fez um gesto aos que se achavam na sala para que se sentassem, ao que todos assentiram. Ao observar um homem rústico e humilde que se encontrava presente, mandou que este também tomasse assento à mesa, participando assim do banquete.

 

8º ato

O banquete

A sala de jantar, finamente decorada pelos cantos com flores diversas. Ornamentando as paredes, belas telas a óleo de paisagens locais e em destaque, tela com a representação dos anfitriões, o Dr. e sra. Fernandes, que se destacavam em rica moldura filigranada. No centro da sala, despontava uma grande mesa em vinhático com assentos para mais de trinta pessoas além da comitiva. Sobre a pesada mesa, uma rica toalha de linho importado, finamente trabalhada com bordado richilieu. Dispostos sobre a mesa, destacavam-se os pratos de uma fina porcelana inglesa e eram acompanhados por preciosa baixela em prata com entradas diversas e taças do mais fino cristal. Tudo arranjado nos menores detalhes, tudo demostrando muito bom gosto.

Todos acomodados e assentados trocam tímidos olhares, observando S. Majestade que se colocava à cabeceira da mesa, ao lado da Imperatriz, e nesta ordem demais membros representantes das diversas classes sociais. Sua Majestade faz então uso da palavra.

 

9º ato

Assim que todos se acomodam, as serviçais iniciam seu trabalho servindo água e um delicioso refresco de pitanga e graviola que o Imperador muito apreciava, em seguida, vinhos tintos e brancos, licores e champagnes. Em um canto da mesa também havia uma grande fruteira com frutas frescas da época: caqui, laranjas, mexericas, pinhas, atemoias, frutas do conde e bananas.

Então, com o menu inspirado na clássica culinária francesa, (claro, com influências locais, afro-indígena-portuguesa e especialmente se utilizando de produtos locais) travessas variadas são trazidos à mesa por garçons e servidas à francesa conforme ditam as regras de etiqueta.

                                        MENU

Omelette à l’Imperatrice                                         Omelete à Imperatriz

Poisson do Rio Pomba                                              Peixe do Rio Pomba

Filet de baeuf aux champignons                             Filé com cogumelos

Cotelette d’agneau aux petits-pois                        Costeleta de cordeiro com ervilhas

Mayonnaise de homard à la Leopoldina               Maionese de lagosta à Leopoldina

Dinde à l’Imperiale                                                    Peru Imperial

Dinde farcie aux trufles                                            Peru recheado com trufas

Jambon d’York decoré                                              Presunto York decorado

Gigot de mouton rôti                                                Pernil de carneiro assado

Asperges aubeurre                                                    Aspargos na manteiga 

Macédoine de fruits à la Lima Duarte                    Salada de frutas à Lima Duarte

Pudding à la diplomate                                            Pudim à diplomata

 Fromage flacé-Dessert- assorti                              Musse de queijo com frutas

 

                               Vins:

Château Palmer

Sauterne

Bourgogne

Madère

Champagne frappé à l’amitiê

Porto vieux

Cognac

Liqueurs

 

10º ato

Sentado à cabeceira, o Monarca agradece a calorosa recepção, após o que toma a palavra o anfitrião Dr. Fernandes, enaltecendo as virtudes do Imperador, para em seguida narrar a lenda do “Feijão Cru” que deu origem ao lugarejo. Retomando a palavra e evitando o assunto do inconveniente causado pelos republicanos, o Monarca fala de algumas realizações de sua administração em meio século de governo, desde que assumiu o governo em 23 de julho de 1840, aos 14 anos. (Monarquia parlamentarista, com o poder Moderador centralizado nas mãos do Imperador):

 Em 1841 interveio na pacificação das províncias do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, São Paulo e Pernambuco.

Em 1843, casou-se com a princesa Tereza Cristina de Bourbon, (mais tarde intitulada “a mãe dos brasileiros”).

Em 1850, deu início à construção das primeiras estradas de ferro e linhas telegráficas do país. Fomentou a imigração dando grande impulso à agricultura. Dedicou o máximo pela causa da instrução pública, resolveu vários problemas de ordem econômica, interveio como mediador na guerra do Chile contra Peru e Bolívia. Declarou guerra contra a Argentina, Paraguai e Uruguai, que eram governados por ditadores tiranos. Discorreu acerca do movimento abolicionista, (estaria ausente do país em 13 de maio de 1888, quando sua filha, a Princesa Isabel, assinaria uma lei emancipadora dos escravos). Dom Pedro recebeu excelente educação, teve uma formação completa em todos os sentidos. Discreto no que tocava à liturgia do cargo, muito culto, humanista e progressista. Era um mecenas, ajudou e deu incentivo a artistas, cientistas, poetas e literatos e, com recursos próprios custeou bolsas de estudo na Europa. Foi um pioneiro na introdução da fotografia no Brasil, além de fazer retratos, possuía um extenso acervo de registros históricos, hoje preservado em museus. Ao se referir à educação popular, frequentemente se manifestava assim: ”Se me fosse permitido escolher uma profissão preferiria a de mestre das primeiras letras”.  Certa vez Dom Pedro foi convidado para assistir aos exames finais de uma escola pública. Atendendo ao convite compareceu acompanhado do Ministro do Império e de seu Secretário. Havia no recinto três cadeiras destinadas a Dom Pedro ao Ministro e ao Secretário. Ao perceber que a professora ficara sem lugar, fez o Secretário se levantar, indicando o assento à professora, disse: ”seu lugar é aqui”.

 Fato triste a ser rememorado, a desgraça que se abateu sobre o povo cearense que sofria com a peste e a fome. A situação naquele momento era insuportável, e as condições das finanças do País eram muito delicadas diante de tantas despesas com tal calamidade. Foi quando se espalhou a notícia da suspensão do auxílio público devido à escassez de recursos do tesouro do país.

Então, Dom Pedro, abaixando a cabeça, com lágrimas escorrendo pela face exclama:

- Se não temos mais dinheiro que se vendam as joias da Coroa, pois nenhum Nordestino ou  Cearense irão morrer de fome.

Que personalidade! A nobreza desse gesto demonstra seu elevado senso de dever público e amor a seus súditos. Como republicano e democrata reconheço as virtudes do monarca como homem público, homem de bem, altruísta. Considero-o exemplo para muitos políticos atuais que insistem e ousam legislar em causa própria, pisoteando à luz do dia a cláusula pétrea da Constituição, que diz: ”todos somos iguais perante a lei”, ou ainda, “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.

 

11º ato

Terminado o banquete, suas Majestades Imperiais se despedem das autoridades municipais e, após a permanência de poucas horas na visita à cidade, cumprindo o protocolo de formalidades se dirigem em comitiva para embarcar na estação, (ao contrário das afirmações de que tenham eles pernoitado no solar dos Fernandes) para daí retornar da extensa e cansativa viagem pelo interior da província mineira.

 Na estação, ao embarcar, sua Alteza Tereza Cristina, recebe das mãos de um grupo de senhoras belo buquê de rosas vermelhas como demonstração de apreço. O monarca, recebe efusivos comprimentos quando toma conhecimento de um incidente com um dos fogueteiros, que teve a perna atingida na explosão da bomba. Mandou que dessem ao infeliz a quantia de 200$000. Dizem, entretanto, que a pessoa a quem coube esse encargo não o cumpriu.

Aconteciam dessas coisas, que pena! 

 

*Oito anos mais tarde, precisamente em 15 de novembro de 1889, é proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil.

Quando alguém disse ao velho monarca que já se propalava a proclamação da República, o Imperador movendo os ombros com indiferença disse: ”-Não faz mal. Ao menos é a minha aposentadoria”.

*Em 05 de dezembro de 1891, morre em um modesto hotel de Paris, não sem antes pedir que lhe trouxessem do Brasil um punhado de terra para servir de travesseiro em seu último sono...

 

-Fonte histórica e de inspiração : Relato da visita do Imperador e comitiva por nossa cidade, e o banquete que lhe foi oferecido, a partir de fragmento publicado por “O Leopoldinense”, o primeiro periódico da cidade, fundado em 1896. Todos os fatos aquí narrados são reais e a ficção se presta apenas para costura e andamento do enredo de nossa história.  

Qualquer semelhança com a realidade é pura intenção, não é mera coincidência!

 

 

Texto de Elias Abrahim Neto

29 de agosto de 2025 


Casa  que recebeu o Imperador 1881




Atualmente  2025

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