GYMNASIO LEOPOLDINENSE 100 + 10



    

     Há trinta anos,1986, no Almanaque do Arrebol lancei uma edição comemorativa dos 80 anos do Ginásio. Hoje 2016, em plena era digital, refaço minha homenagem pelos seus 110 anos de existência, repaginando alguns episódios de sua história. Convidado pelo Professor de Arte , Adilson José Ramos Ferreira, para uma visita à Exposição por ele montada, em que reuniu objetos, artefatos e documentos dessa gloriosa instituição,deixo aqui algumas notas e recordações, agradecendo à Diretoria, à Secretaria aos funcionários da E.E. Professor Botelho Reis pela receptividade e, em especial a esse professor que tão carinhosamente reuniu tantos dados, em      exposição incluindo trabalhos de alunos que engrandecem o nosso  Ginásio.

PANORAMA DO MEU TEMPO DE GINÁSIO



MENS AGITAT MOLEN

    

      Em meados dos anos de 1960,início da didatura militar, fazíamos um pré- exame para ingressar no Ginásio, uma espécie de vestibular. Um dos livros para o Exame de Admissão era o de Aritmética, de Ari Quintella. Eram quatro anos de ginasial e três anos de Científico, o que equivale, hoje, salvo engano, ao 6º ano até o 9º ano do Ensino Fundamental e a mais três séries do Ensino Médio.

As medidas disciplinares eram rígidas: cabelos cortados bem rente, sem cobrir as orelhas; uniforme imprescindível, camisa cáqui e calça marrom para os rapazes e, para as meninas, blusa branca e saia azul marinho com comprimento abaixo dos joelhos. 

Monsenhor Guilherme, o austero Diretor , cultivava uma aura de mistério,e o Vice- diretor, Geraldo Bertocchi , professor de História e Latim, enérgico e disciplinar, fazia suas preleções diárias na murada defronte ao pátio masculino, onde os alunos se mantinham em fila indiana. Nesse mesmo pátio, na hora do intervalo, o racha de bola de meia era permitido, até o dia em que aconteceu um acidente que causou ferimentos. Na Secretaria, Paulo Lisboa e Ady de Oliveira. O corpo docente era formado por inesquecíveis mestres: Dr. Barcellos; Dona Judith Lintz; Professor William que, franzino, entrava na sala e já da porta começava a pronunciar seus ensinamentos( não sei como conseguia , mas usava os 50 minutos inteiros para discorrer sobre a matéria, não dando tempo para brincadeiras ou distrações que pudessem interromper sua aula); Dona Belinha, com a disciplina Desenho Geométrico, sempre chegava com sua régua, esquadro, compasso e transferidor, materiais enormes de madeira, para serem usados na lousa; o intelectual Professor Átila, no cabedal de sua competência, ministrava aula de Física e posteriormente, transferiu-se para Brasília - DF; Professor Hudson dava aulas de Inglês, com seu alto astral, em meio a piadas, procurando aprovar todos no final do ano; Dona Olympinha, Geografia; Cônego Naves, Religião e Moral e Civismo; Professor Reiff, já bem idoso, História e, como era surdo ao aplicar os exames, a algazarra era geral; Professor João Batista, História, deixava a turma descontraída e, no fim do ano também aprovava todos; Dona Guilhermina, esposa de João Batista, dava aulas de Educação Física; Professor Luiz de Mello, Português;Flora, esposa do Luiz de Melo, dava aulas de Geografia; Marcelo Domingues, Química;Waldir Policiano, Física; Dioneia, Francês; Sérgio França, Inglês; Cida Costa, Português; Cida Brandão, Matemática; Ademar; Heloisa Nogueira, Geografia; Senhorita Carmem, já de idade avançada, com suas aulas de Artesanato e Trabalhos Manuais, não aceitava ser tratada por Senhora; Glória Barroso,Desenho Livre; Dona Julinda, História; as irmãs Cidinha e Terezinha Lintz, Português e Matemática respectivamente, filhas do Professor Guedes Machado e de Dona Judith ; Professor Andrade, Português; Professor Botelho e Professor Getúlio Subirá, Educação Física; 

Nos banheiros masculinos, coletivos, havia as latrinas separadas por pequenas divisões; eram artefatos de louças rentes ao chão, onde era preciso agachar-se, apoiando-se os pés no local demarcado, próximo da fossa, para se fazerem as necessidades biológicas. 

Os bebedouros, também coletivos, estão ainda no mesmo lugar, porém mais modernizados devido a um sistema de refrigeração. 

Na sala de Biologia ,decorada com taxidermias, coleções de insetos emolduradas, um esqueleto humano se destacava( dizia-se que era esqueleto de uma mulher)os alunos lhe davam nomes que, entre reverências e brincadeiras, tinham sempre uma frase a dizer para ele. Uma arquibancada de madeira de lei, chamada de “poleiro”, pelos alunos, infelizmente não preservada na reforma do Ginásio, era semelhante ao tablado da sala de Química/Física, que contava com instrumentos, potes, tubos, microscópios, centrífugas e toda uma parafernália que auxiliava os professores em suas aulas. 
“Neca de pitibiriba” era uma expressão corriqueira do Dr. Barcelos, um culto advogado criminalista, grande orador, poeta, escritor, professor de Português, Biologia e Química, intelectual e ex-aluno do renomado Instituto de Educação do Caraça, em Minas Gerais,casado com Dona Elza e pai de Lucília, ambas professoras do Ginásio. 

Houve o tempo da “Segunda Época”.O aluno que não atingisse a média para “passar de ano” tinha a chance de fazer novos exames em até três disciplinas. E o aluno que alcançasse determinada média anual “passava direto”, sem provas finais. Era permitido, no máximo duas reprovações, ou seja, ao aluno só era permitido cursar a mesma série apenas três vezes, depois disso era transferido para outra escola. 
 As regras educacionais eram rígidas, havia suspensões para alunos que fizessem alguma coisa “errada”, fora dos padrões disciplinares. 

Os bailes de formatura eram realizados no Clube Leopoldina; traje de gala sempre. Os namoros com início tímido, às vezes, tinham finais felizes, com juras de amor eterno. 

Nos desfiles cívicos, que eram obrigatórios, como o “Sete de Setembro”, também era obrigatório o uniforme completo; há que se destacar a Fanfarra, muito importante nas alvoradas, muito concorrida, os alunos com seus trajes branco. Infelizmente, havia a famosa “panelinha”, pois estar na “Fanfarra” significava destacar-se dos demais. 

Cheguei a participar de um torneio de peladas interclasses, realizado no “Arranca Toco”, pertencente à época ao Estado de Minas Gerais. Como eu era “perna de pau”, ocupei a posição de goleiro, o que rendeu alguns “frangos”. 

As aulas, com certa frequência, eram cabuladas sob as sombras dos ingazeiros, do bosque da catedral. 

Entre as brincadeiras em sala de aula, havia aquela em que um tubo transparente de caneta se transformava em “zarabatana”, artefato que, soprado, projetava “buchinhas” de papel direcionadas a um ponto determinado. 

Na “tecnologia da cola”, os mais variados artifícios eram utilizados: sanfoninhas minúsculas com resumos da matéria eram tão extensas que, ao final da sua confecção, a matéria já estava memorizada e a “cola” tornava-se um “suporte” desnecessário. 

Entre tantos funcionários, serventes e inspetores que marcaram sua presença na vida do Ginásio, me lembro, especialmente ,do Sebastião, do Maury, do Zé, do Tebano, do Nestorzinho e de seu filho Jairo.Nestor não sei por que,”Explosivo”, de prole numerosa,tinha uma banca de livros, novos e usados, para troca ou venda, que ficava nas dependências da escola, cedida graciosamente pela direção.Tebano era quem acionava a poderosa sirene que marcava o início e o fim das aulas. 

Não fui um aluno exemplar. Um pouco rebelde, confesso que cometi uma indisciplina há 45 anos, que considero como digna de uma expulsão. Faço hoje “mea culpa”. Era período de provas finais. Escrevi toda a “cola” nos cantos ocultos da carteira. Depois, fiquei sabendo que a turma seria transferida para outro local e o exame não seria realizado na sala em cuja carteira estava escrita a “cola”. Aí, tive a ideia de ir até lá, e botei fogo na lixeira, trancando a porta a seguir. Foi uma fumaceira danada. Com a sala enfumaçada, é claro, nela não poderíamos entrar para aí fazermos a prova. Voltamos para a sala anterior, onde estava a carteira com a minha cola. 

Histórias e casos não hão de faltar. Que os conte cada ex- aluno, funcionário ou mestre. 

Com o fechamento da MinasCaixa, instituição bancária de Minas Gerais, os funcionários foram absorvidos pelos quadros do Estado. Por causa disso, minha mulher Izabel, também ex-aluna do Ginásio veio a trabalhar na Secretaria dessa Escola. 

Enfim, muitos estudaram nessa escola secular, tantos se destacaram e se notabilizaram em vários aspectos, em diversas áreas, por este mundo afora. Mas isso é outra história, um outro capítulo de novas e boas recordações. Hoje, as novas gerações continuam acrescentando fatos à história do Ginásio, enquanto os sinos da Catedral de São Sebastião dobram a cada 3 de junho que se sucede. 



Elias Abrahim Neto


* Significado de mens agitat molem: O espírito move a matéria. Frase virgiliana aproveitada pelos panteístas e estóicos, hoje empregada no sentido de que a inteligência domina a matéria. Informação do dicionário de Latim.


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