A PRESENÇA DE TIRADENTES NO POUSO DO FEIJÃO CRU
Plinio F. Alvim*
Depois de pesquisar mais atentamente a
história do devassamento desta parte da Mata mineira, posso, a partir de uma
análise factual, aqui exposta resumidamente, defender a tese da provável
passagem de Tiradentes pelo local onde foi criado o Pouso do Feijão Cru - que
deu origem à cidade de Leopoldina – e também a de sua incursão por várias
outras localidades de nossa região.
Ilustração de um oficial da cavalaria de Minas, no tempo da Inconfidência. |
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Tiradentes, um líder visionário e eclético - Tiradentes era dotado de uma
inteligência invulgar, além de possuir uma formação prática multidisciplinar,
um espírito pragmático e um nível cultural que o destacavam da média de seus
coetâneos. Contrariando seus detratores, Tiradentes não era um imbecilóide
utópico; menos ainda um mero “inocente útil” ou um “bode expiatório”, entre os
conjurados mineiros.
Tiradentes
era um líder nato, defensor convicto e disseminador inflamado de seus ideais;
um homem que inspirava confiança a seus pares, fossem civis ou militares de
quaisquer patentes. De reconhecida competência, que lhe permitia desincumbir-se
eficientemente das atribuições que lhe eram confiadas. Um idealista, um
visionário, ainda hoje pouco estudado pela história.
Órfão de mãe, aos nove anos, e de pai, aos
onze, Joaquim José viveu em companhia de seu tio e padrinho, Sebastião Ferreira
Leitão, cirurgião-dentista licenciado e também proprietário de uma lavra de
mineração. Com ele Joaquim aprenderia o ofício de “tirar e colocar dentes” - que lhe daria o pseudônimo que entrou
para história; além de conhecimentos sobre mineração e técnicas curativas que
se somariam às que conheceria ao longo de suas andanças pelos sertões. Sua
educação também teria sido influenciada por seus irmãos sacerdotes e por seus
primos também religiosos - que, portanto, tiveram acesso a uma formação
diferenciada para a época.
Ainda jovem Tiradentes teria
aprendido o uso de plantas medicinais com o naturalista Frei Veloso, seu primo,
que incursionou pelo Rio Paraíba do Sul, coletando e classificando 2000
espécies vegetais para produzir a sua “Flora
Fluminense”, um dos maiores estudos botânicos já realizados no Brasil.
Tropeiro durante muitos anos, Tiradentes conhecia, como poucos, os mais
profundos e distantes rincões mineiros, trilhando ou abrindo os caminhos que
ligavam “as Minas” à Bahia e ao Rio de Janeiro. Seus conhecimentos sobre
mineralogia e noções de engenharia também teriam sido aperfeiçoados nesse
período.
Joaquim José ingressou na vida
militar como “dragão” da Companhia de Dragões de Vila Rica, tempos depois
fundida ao Regimento de Cavalaria Regular de Minas Gerais, onde serviu na 6ª
Companhia, cujo Comandante era o Sargento-mor (hoje, correspondente a Major)
Pedro Afonso Galvão de São Martinho. Neste Regimento, Tiradentes alcançou o
posto de Alferes - equivalente a 2º Tenente, hoje - por ser oriundo da chamada
“nobreza civil não titulada” e, também, devido a seu ofício de dentista
prático. Como militar, o Alferes Xavier era comumente designado para missões de
importância estratégica - até arriscadas - que requeriam as qualificações
técnicas de que era dotado. Participou da comitiva que acompanhou o Governador
Dom Rodrigo José de Menezes, em viagem pelo interior de Minas, para levantar as
potencialidades e necessidades da terra mineira.
Durante cerca de cinco anos
Tiradentes viveu em nossa região. Respondeu pela construção de uma variante do
Caminho Novo, desviando-o de São João D’el Rei e encurtando o seu percurso de
Vila Rica – hoje, Ouro Preto - para o Rio de Janeiro. Essa nova estrada ficou
conhecida como ‘Caminho do Menezes’, onde Tiradentes construiu o denominado
Porto do Menezes, vizinho ao Registro do Paraibuna, nas proximidades das atuais
Matias Barbosa e Juiz de Fora. Pouco depois, Tiradentes tornar-se-ia Comandante
da “Patrulha – ou Ronda – do Mato”, criada para combater os assaltantes que
aterrorizavam o Caminho Novo, atacando viajantes e tropeiros, à altura da Serra
da Mantiqueira.
Após a sua participação nas
diligências de 1784, mencionadas adiante, que permitiriam oficialmente o
desbravamento das “Áreas Proibidas”, Tiradentes vai para o Rio de Janeiro. Na
então Capital do Vice-reino, o Alferes propõe a captação e a distribuição das
águas dos rios Catete (ou Laranjeiras) e Maracanã (ou Andaraí). Tiradentes
também desenvolve um minucioso projeto de construção de moinhos públicos nesses
rios, para uso gratuito da população. Além disto, o Alferes projeta a
construção de um porto e de armazéns, às margens da Baía da Guanabara, para
melhorar o fluxo e a guarda das mercadorias transportadas por via marítima.
Também estudou a ligação do Rio a Niterói, por meio de barcas que aportariam no
cais por ele projetado.
- Os Sertões de Leste das Áreas
Proibidas
– Até fins do século XVIII esta região, localizada na atual Zona da Mata
mineira - na fronteira da antiga Província de Minas Gerais com a então
Província do Rio de Janeiro, entre os Rios Pomba e Paraíba do Sul - era
conhecida como “Sertões de Leste das Áreas Proibidas”. Seus primitivos
habitantes eram os indígenas Puris, Cropós e Croatos. Durante o histórico Ciclo
do Ouro, a Coroa Portuguesa desautorizava a abertura de novas estradas nesta
área. O nome ‘Áreas Proibidas’ se deve à esta restrição e à imensa floresta –
que formava uma barreira natural, contribuindo para dificultar o extravio do
ouro. Apesar desta medida, pretensamente preventiva, adotada pela Coroa, a
região já abrigava inúmeros moradores e era cortada por incontáveis caminhos
clandestinos. Essas rotas eram usadas por contrabandistas para desviarem da
fiscalização dos Registros – Postos de Arrecadação – existentes na via oficial,
o ‘Caminho Novo’, que passava a poucas léguas daqui. Algumas trilhas cruzavam
os territórios atualmente ocupados, entre outros, pelos municípios de São João
Nepomuceno, Leopoldina, Argirita, Santo Antonio do Aventureiro, Volta Grande,
Estrela Dalva, Pirapetinga e Além Paraíba, e pelo distrito de Angustura, hoje
pertencente a este último.
Entre
os usuários destas variantes ilegais merece destaque Manoel Henriques –
cognominado “o Mão de Luva” – chefe de um grupo que garimpava ouro, sem a
permissão da Coroa, nos vizinhos “Sertões de Macacu das Áreas Proibidas”,
localizados na Serra Fluminense, à qual tinham acesso atravessando o então
caudaloso Rio Paraíba do Sul. Segundo a tradição oral popular, ‘Mão de Luva’
teria sido um nobre português, Marquês ou Duque de Santo Tirso, que,
enamorando-se da Princesa Maria – então futura “D. Maria I, a Louca” – acabou
envolvido em um atentado contra o Rei de Portugal, Dom José I, pai de Maria. O
Rei, que se fazia acompanhar do poderoso Ministro Marquês de Pombal, saiu
ferido deste episódio. Santo Tirso teria sido extraditado para o Brasil,
livrando-se da morte por conta de seu romance com a princesa. Esta lenda,
contudo, não encontra respaldo em provas documentais históricas. Historiadores
afirmam que seu verdadeiro nome seria Manoel Henriques da Silva, conhecido como
“Manoel Henriques do Xopotó”, por ter residido na região daquele rio mineiro.
Em 1784, o Governador de Minas, Dom
Luiz da Cunha Menezes, mandou um Regimento para fazer um minucioso levantamento
geográfico, social e econômico da região, incluindo: averiguação das divisas,
avaliação do potencial de produção de minerais preciosos; os rios, montanhas e
caminhos existentes; o nº. de povoações e de habitantes; além de abrir novas
estradas e criar novos “Registros, Rondas e Patrulhas”, etc. O comandante da
missão era o Sargento-mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho. Para cumprir a parte técnica da expedição o
Governador designou, nominalmente, um perito, o Alferes Joaquim José da Silva
Xavier – o Tiradentes. Como já vimos, o Alferes era um profundo conhecedor
da região (foi Tropeiro, Chefe da “Ronda do Mato”, na Mantiqueira, e construiu
um atalho no Caminho Novo); além de militar de absoluta confiança, de
reconhecida competência e dotado de formação bastante eclética (além de
dentista prático, conhecia sobre medicina, engenharia e mineração).
Tiradentes foi o responsável não só pela
escolha da localização como, também, pela construção do “Registro ou Porto do
Cunha”, cuja criação teria ocorrido entre 22 de maio e 5 de junho de 1784. Logo
em seguida, além do Porto do Cunha, Xavier e São Martinho também criaram os
Registros de “Louriçal” (perto da atual Chiador-MG) e de “Ericeira” (próximo à
atual Santana do Deserto-MG), ao longo da estrada que construíram (parte da
qual margeia o Rio Paraíba) em direção ao “Registro do Paraibuna” e ao “Porto
do Menezes”. O nome “Porto do Cunha” foi uma homenagem do Sargento-mor ao
Governador mineiro – Cunha Menezes. Esse “Porto do Cunha” deu origem a um dos
núcleos que formariam a cidade de Além Paraíba-MG, cujo principal bairro
comercial é, hoje, denominado “Porto Novo do Cunha”.
Em 1786, baseando-se nas informações
levantadas dois anos antes, o Governador Cunha Menezes manda o Sgtº Mor São
Martinho voltar à região - agora, sem a presença de Xavier. São Martinho e seu
Regimento usaram o “Porto do Cunha” como base para a operação que tinha o
propósito de combater e tomar o aludido garimpo clandestino, comandado por “Mão
de Luva”, no local conhecido como “Descoberto do Macuco”, onde, hoje, existe o município de Cantagalo-RJ.
Interessante notar que este contrabandista
penetrara aqueles sertões fluminenses, desde meados da década de 1760,
trilhando os caminhos existentes no lado mineiro, em razão da interdição dos acessos pelo litoral (de Cabo Frio
a Campos dos Goytacazes), determinada pelo Vice-rei de Portugal no Brasil, o
Conde da Cunha. Uma das vertentes deste chamado “Caminho do Mão-de-luva” passava por São Manoel (atual Rio
Pomba-MG) e cruzava nossa região para, depois de ladear os Rios Angu e
Aventureiro, atravessar o Rio Paraíba do Sul nas proximidades da Ilha dos
Pombos (atual hidrelétrica da Light) e do Distrito de Porto Velho, localizados
no atual município de Carmo-RJ.
São Manoel foi fundada em 25 de dezembro de
1767, pelo Padre Manoel de Jesus Maria, que prestou a São Martinho informações
sobre o “Mão-de-luva”. Convém salientar que, tempos depois, o Pe. Manoel J.
Maria viria a ter como coadjutor o Padre Jacó Henriques - instituidor do Patrimônio
da Matriz de N. Sra. das Mercês, em 1790, na atual cidade de Mercês-MG, vizinha
à Rio Pomba e, também, tio de Domingos Henriques de Gusmão, um dos fundadores
de São João Nepomuceno-MG e penta-avô deste autor. A propósito, é razoável
inferir que muitos destes homens, aqui mencionados, também possam ter
transitado pelo então nascente “Pouso do Feijão Cru” - que deu origem à cidade
de Leopoldina. Alguns deles, inclusive, poderiam, até mesmo, ter protagonizado
os acontecimentos que geraram a “Lenda do Feijão Cru”.
- A
Presença de Tiradentes no “Pouso do Feijão Cru” - As provas
irrefutáveis da importância de Tiradentes para a história de Leopoldina, de
Além Paraíba e de muitas localidades da região encontram-se, principalmente, em
dois interessantíssimos documentos. Na Portaria, datada de 16.04.1784 (vide
anexo), emitida pelo Governador Cunha Menezes, e na Carta, de 21.04.1784
(ironicamente, emitida exatos oito anos antes da execução de Tiradentes) que o
mesmo Governador dirigiu ao Cel. de Auxiliares Manoel Rodrigues da Costa,
fazendeiro morador na Mantiqueira. Através delas, Cunha Menezes - o “Fanfarrão
Minésio” das “Cartas Chilenas”, de autoria do poeta inconfidente Thomaz Antonio
Gonzaga - enfatiza a indicação do Alferes Joaquim José da Silva Xavier para executar
os principais objetivos da missão. O que, segundo alguns autores, nos permitem
deduzir que o Cel. de Auxiliares Manoel Rodrigues da Costa e o Sargento Mor São
Martinho foram meros coadjuvantes e os grandes beneficiários da expertise de
Tiradentes. Nesses documentos Cunha Menezes também revela sua preocupação com a
ocupação clandestina das “Árias
Prohibidas” e a necessidade de torná-las úteis aos “Reaes intereces”.
Durante essa diligência, iniciada em meados
de maio de 1784, é muito provável que Tiradentes tenha passado pelo local onde
teria existido o primitivo “Pouso do Feijão Cru” e por inúmeras outras
localidades de nossa vasta região. Como era parte de suas atribuições, entre
outras, o levantamento detalhado de “estradas,
ou caminhos” existentes nas Áreas Proibidas, é inaceitável que isto não tenha ocorrido, pois implicaria em
desobediência às ordens recebidas, comprometendo os objetivos da missão e
maculando os conceitos de que gozavam o Alferes Tiradentes e o Sargento-mor São
Martinho junto a seus superiores. Inclusive, vale lembrar, para reforçar o
raciocínio, que Tiradentes já exercera a atividade de tropeiro, atravessando os
grotões mineiros; portanto, também é factível que já conhecesse os caminhos, as
picadas e os “pousos e ranchos de tropas” existentes nesta região.
Depois de prender o minerador “Mão de Luva” e
seus liderados, São Martinho retornou para a capital Vila Rica, onde, alguns
anos mais tarde, comandaria a prisão de vários inconfidentes. São Martinho
faleceu em 1815, com a patente de Brigadeiro. Com o povoamento da Zona da Mata,
após a liberação das Áreas Proibidas, alguns de seus descendentes radicaram-se
em Leopoldina e localidades circunvizinhas.
Tiradentes, depois de sua passagem por nossa
região, viria a possuir terras nas proximidades do “Porto do Menezes”, no lugar
denominado “Rocinha da Negra”. E ficaria transitando entre o Rio de Janeiro e
Vila Rica, elaborando projetos e conspirando contra Portugal; até ser preso, em
1789, para, finalmente, ser condenado, enforcado e “morrer morte natural para sempre”, segundo a sentença que selou
o seu destino, em 21.04.1792.
Portanto, nós leopoldinenses temos toda esta
grandiosa história para sentirmos ainda mais orgulho de nossas origens.
(*)©Plinio F. Alvim Leopoldinense;
Administrador; Pós-graduado; Ambientalista; Ferroviavista; Pesquisador
diletante da História Zona da Mata Mineira; Membro da Academia Ferroviária de
Letras, do Movimento de Preservação Ferroviária, do Grupo Brasil Verde, e do
Instituto CulturaR. Observação -
Texto publicado no Jornal Atual,
de Cataguases-MG, de 22-4-2010; e no Jornal
GLN Leopoldinense, de Leopoldina-MG, em 31-7-2007.
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