OS PRIMEIROS DEGRAUS

 

                                     


CERTAS PATOLOGIAS INSANAS   

 SÓ OS POLÍTICOS OU FREUD PODEM EXPLICAR                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     

    

                                                                                                 

                                                                                                

 

Considero estes tempos bicudos, de alta polarização, onde o adversário é inimigo odiado e um dos extremos se utiliza - patrulha full time - de todos os recursos, da crítica deformada da realidade, da manipulação instrumentalizada acessada nas mídias digitais, mirando ação do polo oposto para construir uma retórica, maioria das vezes, distante da realidade, sem ética, com o objetivo de atender a seus propósitos políticos e direcionada a alimentar a expectativa de sua base.

Aqui, no interior, essa técnica, ou tática, é às vezes dissimulada, ou melhor, minimizada por alguns políticos e gestores que colocam o bem público acima de outras pretensões pessoais.

Essa deveria ser a tônica normativa da moralidade na administração pública, acima da orientação ideológica, em oposição a inescrupulosos que tratam a “Res Pública” de acordo com seus interesses pessoais. Ora bolas, os entes políticos, alçados à administração através do sufrágio do voto, têm o nobre ofício de servir, não de se servirem das vantagens que o cargo público oferece.

Recentemente, na atual gestão, uma ação administrativa, uma pequena obra poderia passar despercebida devido ao pequeno porte, mas chamou-me a atenção. Às vezes, pequenos gestos ou ações podem conter um enorme significado e, nesse caso, a reconstrução ou restauração das características arquitetônicas originais, como queiram, da pequena escadaria frontal que dá acesso ao portal de entrada do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, localizado na rotativa entre seis vias, em cujo anel central foi fixada a estátua da princesa.

A bela estética da escadaria, que forma um sugestivo arco com duas rampas de degraus, foi  suprimida tempos atrás, em 1974. Ouvi dizer que foram ordens da secretaria de estado em BH, mesmo não tendo sido aprovada pela comunidade escolar,  por algum gestor inculto, não se sabe por qual inconcebível motivo, tanto que não me darei ao trabalho de localizar... deixo essa tarefa de nomeá-lo pra quem queira. Nesse caso não houve nenhuma mobilização social ou intercessão política com o intuito de barrar e impedir o inconcebível desmanche.

-Talvez algum insistente arquiteto tagarela em sua obsessão direcionada e impertinente queira se incumbir desse mister, vez que essa supressão (da escadaria) passou desapercebida a seus “olhos atentos”.

Merece aplauso este ato louvável, pequeno como gesto, mas enorme em seu significado e simbolismo. São primeiros passos nos degraus do conhecimento, pois uma escadaria viabiliza nos elevar a pontos mais altos de visualizar ou vislumbrar certas coisas que momentaneamente não percebemos e, mais ainda, são duas vias opostas que se encontram, que convergem para um mesmo objetivo, a comunhão de ideias, vislumbrando o “bonum commune” ou bem comum, lembrando do ditado popular: ”faça o bem sem olhar a quem”, muito em desuso atualmente.

Foi do alto dessa escada que alguém observou a chegada do Presidente Getúlio Vargas em 1939,para a inauguração do trecho da Rio-Bahia, a BR-116 que cortava a cidade.

O velho grupo, ou Grupo Velho, como nos acostumamos a chamá-lo, de arquitetura sólida e Imponente em toda a sua extensão, dotado de enormes belas janelas, cores sóbrias, nem sempre situou-se neste local, antes era localizado na praça popularmente conhecida como Praça do Urubu, esquina com rua Tiradentes.

 Teve como um de seus diretores mais ilustres o poeta triste, Dr. Augusto, infelizmente tomei conhecimento de que o livro de posse com respectivo termo de abertura e todas as páginas rubricadas por Augusto dos Anjos em 1914 desapareceu, assim como tantos outros objetos históricos. Teriam sido subtraídos por alguém sem nenhum escrúpulo ou respeito por nosso patrimônio histórico visando tão somente a aferir lucros? Resta o consolo que em 1984, centenário de nascimento do poeta, fiz cópias do referido livro de registro. E sua reprodução  se encontra impressa em edição especial comemorativa do Almanaque do Arrebol.   

Na sala dos professores, móveis austeros em verniz escuros com betume da Judeia, um piano de coluna e na parede uma pintura à óleo, com elaborada moldura, representando a Independência do Brasil; retratos do Presidente da República e do Diretor da escola inspiravam ares de severidade e respeito.

Lembro-me de minhas professoras Heny Ramos de Paula, Lilian Arantes e de Hermínia Ramos Pinto, filha do professor Emílio Ramos Pinto, diretor da escola, sem me esquecer da professora Olga Ladeira que, depois desses anos todos, me presenteou com uma fotografia guardada carinhosamente por ela, eu, na sala dos professores, ao lado do velho piano do Grupo Velho.

Nunca me esqueci de um coleguinha apelidado de mosquito elétrico, um garotinho negro, lépido e alegre, que não sei por onde anda...

 Há sempre belas histórias que deixam marcas na lembrança, contadas por pessoas contemporâneas ou que me antecederam como alunos e funcionários, também por outros que me sucederam, pois a história é viva e contínua.

Eu, todos os dias, pela manhã, distraído com o movimento da cidade, atravessava a praça e durante esse percurso, chutando displicente alguma mamucha de laranja, percorria todo o trajeto até o “Grupo Velho” - Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, onde eu estudava, assim era denominado depois da construção do Grupo Novo no alto da Grama, ou Grupo Escolar Professor Botelho Reis.

Ao chegar ao Grupo, antes do início das aulas, os alunos se posicionavam em fila indiana no pátio da escola e, sob a batuta do diretor Prof. Emílio Ramos Pinto, cantavam solenemente o Hino Nacional e o Hino à Bandeira, depois um leite quente, sopa de fubá ou de macarrão, preparados pela Célia cantineira, cujo tempero especial exalava um inesquecível e abstrato aroma por todo o ambiente, despertando o olfato e estimulando a percepção e as papilas gustativas de todos.

Não posso deixar de mencionar um episódio incomum que ocorreu na escola, interrompendo a rotina escolar e deixando todos alvoroçados, um fato que mobilizou até autoridades policiais na investigação do ocorrido.

Era uma segunda-feira normal e, como de costume, pela manhã dirigi-me à escola pelo trajeto habitual, portando meus apetrechos escolares. Eis que, ao me aproximar da escola, sou surpreendido por incomum movimentação de policiais a adentrarem o recinto, professores e funcionários sobressaltados... observo que os corredores, as escadas, salas, móveis e carteiras escolares, até o pátio, tudo, tudo estava coberto por um misterioso pó branco. Tomado de surpresa e curiosidade ao observar aquele caos, indaguei: O que significava aquilo?

Logo tomaram-se providências chamando o delegado Municipal, sr. Ranulfo Matola, detetives e a polícia, que de imediato deram início às investigações, vistoriando todos os lugares em busca de evidências do mal feito. Passado o susto, pouco depois descobriu-se que o estranho pó nada mais era do que “leite em pó”, embalado em sacos de cinquenta quilos, que traziam impressos o desenho de duas mãos se apertando com os dizeres: “Aliança para o Progresso”, que era doado pelos Estados Unidos, como parte de programa federal, utilizado na merenda dos alunos e com o qual fazia-se um delicioso leite com açúcar queimado.

Naquele dia as aulas foram canceladas e, no dia seguinte, o caso já estava elucidado e solucionado. Severas reprimendas ao autor e outras providências foram tomadas.

Consta que um aluno havia invadido a escola no final de semana e praticado aquele ato julgado irresponsável.

Foi uma surpresa ao descobrir que o autor daquele ato reprovável era o JB, um aluno, conhecido morador das imediações da escola, usuário da merenda e do leite que era servido.

O que motivara tal ato tão insano? Inda hoje me pergunto como se chegou tão rápido à elucidação do ocorrido.

 Tomara que, qualquer dia desses, eu possa defrontar-me com o personagem protagonista dessa história, que ainda vive na cidade, e quem sabe conversemos para esclarecer os fatos e suas consequências, como de fato ocorreram.  E eu mate de vez minha curiosidade.

E assim, que narrativas como essas possam ser contadas, com uma só versão, comprometida com a verdade, acrescentando e elucidando pequenos episódios de nossa rica história local, sem olhares tendenciosos, desinformados, eivados de suspeição ou desviados por orientações ideológicas.

Certos atos humanos -se é que assim podem ser chamados- são insanos em suas razões e, às vezes, são “razões que a própria razão desconhece”.

 E assim vamos caminhando. No percurso boas histórias hão de surgir, histórias de vida. Bons subsídios com certeza, não hão de faltar.

Hoje, nosso Grupo Velho ainda está mais lindo, revigorado pelas reparações, restaurações, pelas melhorias, pela aparência, pela roupagem em cores novas, sóbrias e alegres e principalmente pela jovialidade da nova geração digital que sobe seus degraus a cada dia em busca de conhecimento.

Por tudo isso, nosso Grupo Velho sempre será jovem, jovem no frescor de nossos corações, “no afeto que se encerra em nosso peito”, no preparo de cidadãos com conceitos nobres progressistas e civilizados, jovens que crescem num mundo em constante evolução, pleno de desafios e transformações tecnológicas e sociais.   






 








 







Foto sem a escadaria- autor desconhecido










 
               





Alunos do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira recepcionando 
 o presidente Getúlio Vargas no Parque  de Exposição 1939
Foto Rolly- Arquivo Almanaque Arrebol






Foto autor desconhecido, provavelmente década
1930. Identifiquei na foto um primo .








O piano na sala dos professores década 1960






















Página de um dos meus cadernos
do primeiro ano, setembro de 1960
Prof. Heny Ramos de Paula

























Texto e fotos Elias Abrahim Neto – ex-aluno,
década de 1960 

27 de junho de 2025






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