MIGUEL TORGA EM LEOPOLDINA-MG

 

 

                                A PRESENÇA DE  OUTRO ANJO LIGEIRO                                                      Os anjos não morrem, estão por aí a passear...

 

 “Eu acreditava, e ainda acredito, que a verdade é frequentemente de sua própria essência, superficial, e que, em muitos casos, a profundidade está mais nos abismos onde a procuramos, do que nas situações reais em que ela pode ser encontrada”.

Edgar Allan Poe

   



 Acabei de ler a bela crônica de minha gentil e amável prima Maria Silami na qual tece comentários sobre despretensioso texto de minha autoria.

 Ares de suspenses que sugerem boas provocações, que instigam, motivam e também suscitam dúvidas, indagando sobre se Adolfo Corrêa da Rocha (Miguel Torga) no emblemático retrato que fora a motivação de tudo, estaria presente na foto.  

Miguel Torga, português, aos 13 anos veio para o Brasil, para trabalhar na fazenda de café do tio em Leopoldina MG.  Em 1924, então com 17 anos, ingressa no Liceu local, logo distinguindo-se como aluno do Ginásio da cidade.

Desde a imigração em 1920, passaram-se cinco anos, quando o tio propõe pagar-lhe os estudos em Portugal. Em 1925, Adolfo despede-se dos amigos e de Leopoldina e embarca para Portugal, onde irá concluir seus estudos, abraçando definitivamente a inevitável carreira literária. E, quando partiu para além mar, há cem anos, ao certo deixou saudades naqueles com os quais edificara fortes laços de amizade.

A fotografia de sessão histórica do grêmio literário, motivo da celeuma que suscitou esse questionamento, estimula minha imaginação, esbarra quase no terreno da ficção, com as devidas proporções, me lançam em despretensiosas indagações e ou  investigações quase criminais e detetivescas, “Data venia”, minhas reverências e escusas pela comparação, rogo o  assentimento de dois mestres ícones do suspense policial, Sir Arthur Conan Doyle e lady Agatha Christie, ao me exceder,  a ponto de sugerir análise forense, ou querer suscitar a realização de minucioso exame técnico de identificação, com utilização tecnológica de aplicativo para o reconhecimento facial comparativo, façanha praticamente impossível, visto ser necessário a utilização preferencialmente de foto original da época, ou seja, de 1925.

 A foto em questão, salvo engano, foi publicada pela Revista  mensal "Brasil-Progresso", em edição especial sobre Leopoldina, impressão tipográfica, com clichê de chumbo. Portanto, ao se reproduzir a ampliação fotográfica a partir do impresso, os pontos da retícula fazem com que a resolução da imagem, a nitidez, se perca: imagem sem definição e impossível identificação.

Sucessivas ampliações analógicas me remetem à lembrança de “Blow Up”- Filme de Antonioni, com participação de Jane Birkin; em seu enredo, um fotógrafo, ao revelar e ampliar seguidamente fotos captadas em um parque londrino, desvenda um assassinato.

Ponto que provavelmente poderia esclarecer o nosso caso seria o depoimento dos presentes a essa centenária reunião, fato pouco provável, ou melhor, impossível, e, como Robert Galbraith* gostaria de dizer, “os mortos só podiam falar pela boca dos outros que ficaram para trás e pelos sinais que deixaram espalhados por trás deles. ”

Erymá Carneiro, autor do artigo sobre esse movimento literário, não afirma ter participado dessa reunião, mas levanta alguns nomes de companheiros alunos: Henrique Brugger e Teófilo Rocha, (nenhum parentesco com nosso Adolfo) entre outros.

Glória Barroso, professora, poetisa, conceituada desenhista e pintora, dotada de pujança e  estilo próprio, estudiosa de Miguel Torga, talvez possa nos ajudar e acrescentar algo a essa indagação, uma vez que disse conhecer a foto e nela identificou seu pai, o professor João Barroso Jr. e, a seu lado, Joaquim Junqueira.

Dr. Jacyr Fonseca, presença certa. Como presidente do Grêmio compunha a mesa diretora ao lado de Ferreira Caboclo.

 Quem são as demais pessoas, quem mais estava presente naquele salão? Adolfo Rocha, aluno do ginásio em 1924, certamente não estava na foto, pois, sendo essa foto de 1925, ele já havia retornado para Portugal.

Quem sabe se, reconstituindo o ambiente, revisitando o pequeno universo da época, o ensolarado ambiente na pacata cidade, os ares das montanhas e matas, o açoite do vento e da chuva, as noites estreladas, a cachoeira, as bicas d’água, o aludido “ribeirão,” palmeiras e sabiás; quais eram os “points” da cidade, o teatro, o cinema, os bares e a praça da Estação, a principal rua, a Barão de Cotegipe, onde se praticava o “footing, companheiros e alunos da classe de Adolfo, quem eram os mais chegados, aqueles com afinidades? Quais eram os bullyings e as brincadeiras jocosas com referências ao sotaque galego? Como era o conceituado ambiente acadêmico da época, a influência de professores muito qualificados? Quem sabe assim não se chegaria a uma melhor compreensão do cenário da cidade.

Tudo isso poderia sugerir indícios ou evidências. Mas, o que se pretende certamente aqui é inventar, imaginar fantasias sobre a presença de Adolfo nessas terras, seus agrados ou descontentamentos, suas impressões, inquietações, anseios e frustrações, suor e lazer.

Português tímido e reservado que era, sendo aluno do Ginásio em 1924, certamente tinha conhecimento da poesia de Augusto dos Anjos. Adolfo teria presenciado ou participado de algum movimento de valorização e resgate do poeta Augusto dos Anjos, morto precocemente, diferente de todos e que para estudiosos da literatura não se encaixa em nenhuma escola literária de época?

 Ávido que era por leitura, que impressão tal poética deixou no inquieto espírito desse jovem que desabrochava para as letras, escrevendo suas primeiras poesias nestas terras?

Leopoldina, a cidade e a poesia de Augusto dos Anjos deixaram com certeza traços de  influência em sua formação. Como terão impactado a sua criação literária? Estas questões terão sido a temática de alguma tese?

Geronymo Rivera, escritor e poeta, ex-aluno do Ginásio, década de 1950, tenta compreender por que razão Adolfo Rocha -Miguel Torga- refere-se a Leopoldina como Ribeirão e ao Ginásio como Ribeirense.

Tanto a cidade como o colégio seriam metáforas relacionadas com a narrativa original da lenda do ribeirão Feijão Cru?

De minha parte quero supor que o fato de Adolfo referir-se a derivações de “Ribeiro” para denominar a cidade Leopoldina ou ao Ginásio, seria em alusão aos irmãos “Ribeiro Junqueira”, José e Custódio, banqueiros, proprietários da Companhia Elétrica “Força e Luz”, fundadores e proprietários do Ginásio, além de poderosos e influentes líderes, caciques da política local e nacional. 

-Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Corrêa da Rocha, talvez entre nós seja pouco conhecido,  mas muito lido e admirado em Portugal, é um poeta a ser reverenciado; aqui, viveu um período importante de sua vida, poucos anos, autoafirmação e desafios da adolescência, um breve tempo, aqui lembrado por seus versos:

 -”Até que um dia, corajosamente, Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado, Saborear enfim, o pão da minha fome - Liberdade, que estais em mim, Santificado seja o vosso nome.”

Pode-se enxergar motivo de inspiração em tudo; e tudo ou nada podem ser mananciais férteis de ideias, aí por conta da criatividade, sem ofensas, mentiras ou males maiores.

 O terreno da invenção é tão fértil, que se torna desnecessária a cobiça por ideias de autorias alheias, o vazio de ideias são frutos de um momento ou de compreensão rasa.

 A fonte está dentro ou fora de nós, e o universo temático é ilimitado.                                            A permissividade invasiva não respeita limites éticos, vai muito além da liberdade de expressão.

Quando teremos a passagem de outro anjo entre nós? 

 Um anjo sem asas, mas com verdadeiros valores humanos.  

 Ligeiro como são os anjos... Quem sabe...nem triste, nem tímido... 

 Talvez maroto e travesso.

 

                 Elias Abrahim Neto – janeiro 2025[1]

 

 

- 17 de janeiro de 2025 - 30 anos do falecimento de Miguel Torga

- 2025 cem anos de sua despedida da cidade de Leopoldina-MG e do Brasil.

 

- Mas, francamente: fé em que? Num mundo que almoça valores, janta valores, ceia valores, e os degrada cinicamente, sem qualquer estremecimento da consciência? Peçam-me tudo, menos que tape os olhos. Bem basta quando a terra nos cobrir! 

 Miguel Torga- 1947

 

-“Todos sabemos que a melhor maneira de homenagear um escritor é lê-lo e dá-lo a ler”.

Clara C Rocha – filha de Miguel Torga, professora catedrática, ensaísta premiada, especializada em Literatura Portuguesa do século XX.

 

 



[1]  * Pseudônimo que  J. K. Rowling - (Harry Potter) adotou ao escrever o romance policial de estreia - The Cuckoo’s Calling  (O chamado do cuco).

 

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