AO GOSTO DOS ANJOS IV
Variações em
torno de uma crônica
A crônica
que é objeto deste comentário não trata exatamente de um poeta nem de um poeta
triste, embora seja em torno dele que a ideia se sustente. Publicada no
Almanaque d’Arrebol, de 12 de dezembro de 2024, com ela Elias Abrahim tenciona
certamente chegar a um dos poetas mais tristes que nossa lírica parece nos ter
legado – Augusto dos Anjos, desfazendo enganos na postagem de uma fotografia de
1925.
O tema que volteia a herança do poeta
do Eu, sempre buscada pelo público ávido de novidade, é curioso e me
agrada muito porque frequentemente nutre a narrativa policial, de suspense,
dessas que deram vida a inúmeras histórias longas e contos breves na literatura
ocidental. E, como do nada, do muito pouco, do imprevisto é que nascem as
crônicas, essa crônica de Elias gira em torno de uma imagem e uma intepretação.
Uma interpretação descuidada, à moda das mensagens rápidas que lotam os espaços
da mídia. O cronista clica uma foto antiga para fazer retificação nessa imagem
de 1925.
Com arte e ironia, própria
dos comentários críticos, Elias mostra o engano da postagem e realinha as
informações corretas da cena registrada.
A foto em discussão, segundo Elias, é um
flash do Grêmio Lítero-Artístico Augusto dos Anjos, do Ginásio
Leopoldinense, fundado naquele ano de 1925 pelo Professor Júlio Ferreira Caboclo e alunos daquela instituição de ensino. Mostra ser racionalmente
impossível a presença do poeta triste naquela foto, pois que morrera em 1914,
mas recupera uma informação essencial, coisa que as boas crônicas, as crônicas
agudas sempre fazem: o registro da mais recuada, talvez a primeira manifestação
da fortuna crítica de Augusto dos Anjos, o primeiro reconhecimento positivo,
como poeta que então nomeava o grêmio estudantil.
Se a lírica de Augusto dos Anjos teve
que atravessar inúmeros percalços para, finalmente, ele ser aceito no cânone
(pois em geral o cânone tem donos), podemos com ele pensar em outro
genial poeta que foi aluno do Ginásio Leopoldinense entre os anos de 1920 e
1925, ainda incógnito, sem pseudônimo que o tornaria conhecido, lido e amado.
Adolfo Correia da Rocha, conhecido por Miguel Torga.
Torga estaria na foto?
A crônica de Elias é uma bela
provocação. Bem escrita, enxuta, interessante, ela recompõe um rasgo do
cotidiano na Leopoldina antiga que já desapareceu e revive em sua narrativa.
*M. Francelina Silami Ibrahim Drummond
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