UMA COR, UMA IDEIA, UMA RUA

                        UMA COR, UMA IDEIA, UMA RUA






  O ano era 1985, quando surgiu a ideia de escrever um texto sobre os afrodescendentes em Leopoldina, especialmente no que se referia às origens do Clube Cotubas. Logo percebi que faltavam dados e datas que demarcassem o início de tudo, desde o surgimento da ideia e a obstinação dos pioneiros e reais fundadores da agremiação. Então procurei esses notáveis e idealistas membros da comunidade negra, alguns já com idade avançada e pude colher seus relatos e depoimentos esclarecedores sobre os primeiros passos na luta obstinada de se concretizar aquela ideia, a criação de um local de lazer, um lugar onde não houvesse segregação, um lugar de pretos. Até então não havia registro de nenhum dado sobre quando tudo aquilo começara. Nunca antes os negros haviam se reunido em um lugar que podiam chamar de seu! Um texto ilustrado com fotos, de minha autoria, resultado desta pesquisa, foi publicado então na edição comemorativa dos 90 anos da Gazeta de Leopoldina, à época editada por mim. Desde então esse pequeno texto tem sido fonte de subsídios para matérias, estudos e certamente conteúdo de futuras pesquisas que possam se aprofundar mais nas informações fornecidas, reservando às futuras gerações maiores dados sobre sua memória. O texto original na íntegra foi republicado em 18/09/2016, nova versão digital do almanaque Arrebol, com as devidas revisões. 
      Neste mês em que se comemora o dia da Consciência Negra, lutas e reafirmações, direitos à inclusão social, redenção e abolição da escravatura, venho trazer à pauta uma questão que se arrasta já há algum tempo e, que tem suscitado polêmicas e diversas opiniões a respeito da troca de denominação da tradicional e centenária rua Barão de Cotegipe, principal via pública de nossa cidade. Alguns defendem que o atual nome deveria ser substituído como forma de se corrigir um erro politicamente histórico, Barão de Cotegipe foi um conservador do segundo império, escravagista, defendia a manutenção do regime de escravidão.  Quando da assinatura da lei Áurea pela princesa Isabel, ao cumprimenta-la exclamou: “A senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono!” Princesa Isabel retrucou: “Se mil tronos eu tivesse, mil tronos eu daria para a libertação dos negros!” ,segundo, o historiador Sérgio Ribeiro dos Santos, coordenador do curso de História da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
     Após as manifestações antirracistas pela morte de George Floyd nos EUA tomou força um movimento revisionista e reformador no sentido de expurgar nomes alusivos à escravidão, exaltações que afirmem a discriminação racial e o colonialismo, entre outros. Na Inglaterra, estátua de traficante de escravos é derrubada em Bristol. Nos Estados Unidos, diversos monumentos referentes à escravidão e colonialismo são postos ao chão sob protestos de conservadores. Exemplos: a estátua de Colombo em Baltimore na Virgínia e a derrubada de busto de um general confederado. No Brasil, em Guarulhos, a via pública que dá nome a traficante de escravos é trocada. Em Porto Alegre, moradores querem a troca do nome de rua Barão de Cotegipe assim nomeada em 1916. Em Leopoldina, a nossa rua Barão de Cotegipe, também é objeto de discussão sobre a troca do nome.
     Henrique Garcia Sobreira traz seu comentário a respeito do tema; “Se o clube Cotubas representa resistência afrobrasileira em Leopoldina, o nome praça do Urubu é apenas o conteúdo manifesto do racismo na cidade. Algo que só me darei por satisfeito de reconhecer como superado, quando a Rua Barão de Cotegipe (a última grande liderança escravocrata do segundo império e o seu conteúdo latente) receber o nome de no mínimo 13 de maio, pois o mais correto seria 20 de novembro."
 Luis Roberto O. Pereira (cientista) também comenta: "Lembra da separação da praça Felix Martins? Os negros ficavam no passeio atrás do coreto com o Mural do Funchal Garcia. Essa segregação era controlada à distância pela polícia. Reza a lenda que houve um delegado de polícia que impôs esse controle. Dizia-se também que ele chicoteava os negros que andasse na mesma calçada que ele. Histórias de racismo em Leopoldina encheriam muitos volumes...” 
     Quanto absurdo se cometia então, resquícios da opressão escravagista. 
     Aqui em Leopoldina já se fizeram mudanças de nomes de vias, a quase totalidade não prosperou, ou melhor dizendo, as pessoas não aderiam as mudanças; exemplos: Rua das Flores (esta, os moradores não aceitaram a mudança e voltou ao nome original), Gato Preto, Ruas das Palmeiras, Rua da Grama, Rua Floresta, Praça do Urubu, Rua da zona, Mina de Ouro, e outras. A alcunha surgida de fontes populares é muitas vezes tão ou mais enraizadas em nossa memória afetiva do que outras denominações oficiais assim como aquelas cuja tradição resistem à poeira das décadas.
      Discutir a memória histórica revisando personagens e episódios não deixa de ser um gesto humanitário, uma forma de se corrigirem injustiças e a vergonha histórica. Com o tempo, também mudam as noções de certo ou errado.
     
E quanto à troca de denominação de via por outra, talvez seja o caso de nomear algum outro logradouro rememorando alguma data comemorativa ou homenageando algum personagem de nossa história local. Não há como apagar o mal feito, não há retorno, mas podemos, sim, tomar o erro como lição e elevar a consciência para que tais ações não se repitam. Essa é minha opinião! 


Elias Abrahim Neto


 • A Rua Barão de Cotegipe já foi contada em prosa por Joaquim Custódio Guimarães no jornal Ilustração e , pelo Raphael Domingues, o Fael, no Almanaque do Arrebol.

Comentários

  1. A origem do nome praça do Urubu, como é conhecida a praça Gama Cerqueira, divide opiniões. Alguns creditam o codinome ao fato da praça ter sido frequentada por pretos, devido à proximidade com a sede do clube Cotubas , e à proximidade da praça do Ginásio, onde estava localizado o Clube Leopoldina, frequentado por brancos em sua imensa maioria. Outros relatam de que ela recebeu este nome por conta do matadouro municipal que funcionava nas imediações, fato esse que atraía grande número dessas aves que visitavam o local para se alimentar do descarte de carcaças e carniças.
    Tendo a crer na segunda versão, mas há um sentido lógico nas duas versões. Vale aprofundar na questão.

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