FEITO A MÃO, FEITO COM ARTE E FEITO EM CASA

PLATAFORMA- C               um vazio cheio de gente






Mantendo a reclusão neste momento, na onda roxa da pandemia, o corona, esse  vírus viajante, impõe-nos um recolhimento e   nos estimula e nos encoraja  a colocar em prática antigos  projetos e realizar  novos. E enquanto aguardamos a vacina, a vida segue no monótono do cotidiano. Assim faz o artista gravador Paulo Roberto Lisboa, dono de um currículo invejável, do tamanho de seu talento, recolhido no aconchego de seu ateliê laboratório, onde instalou uma pequena tipografia anexada a elementos que compõem sua oficina de gravura em meio a  uma parafernalha de apetrechos e ferramentas utilizados nesse ofício. Numa desordem aparente, onde o artesão e o  artista sabem a ordem e o   lugar de cada coisa, em meio ao mobiliário,  prensas e artefatos, livros, catálogos, produtos químicos diversos, emulsões, reagentes, ácidos e  pigmentos, papéis, placas de metal e de acrílico, goivas e buris, além daquele peculiar cheiro de tinta a impregnar todo o ambiente. Plataforma- C  um vazio cheio de gente  é o título do projeto de um segundo  livro "feito a mão, feito com arte e feito em casa". O autor já publicou uma obra anterior de 2009, também tipográfica, didática e edição de pequena tiragem, 60 exemplares numerados, onde trata de diversas técnicas de gravura. O presente projeto nasceu a partir de desenhos  esboçados e recolhidos durante a espera do embarque na plataforma C da rodoviária de BH com destino a Leopoldina, idas e vindas, vindas e idas. Um verdadeiro garimpo anônimo de gente alheia a carregar em suas bagagens anseios, mazelas, esperanças, saudades, uma partida, uma despedida e sabe-se lá mais o quê, na surda ansiedade de embarcar rumo ao seu destino.  Textura descolada do ambiente, o anonimato sem fisionomia, desautorizada, sem feição facial, diferenciada nos trejeitos, nos gestos que se repetem, na diversidade em se vestir, na expressão corporal capturada que  orienta o ligeiro  rabisco esboçado. Aí, a partir do esboço,   tem início o processo em três etapas, com a escolha da técnica a ser utilizada e o material a ser gravado com base nos croquis, o  laboratório de alquimia, alcova de alquimia, onde o mestre alquimista transforma em reações químicas o imaginário em real, onde a ciência da experimentação das fórmulas se revelam e se fundem à arte, onde o metal, o acrílico ou a madeira são escolhidos, manipulados, rasgados em sulcos a aguardar a tinta que lhes darão motivo para se multiplicar e se transformar, como a filosofal e mágica transmutação dos elementos. O artesão realiza de forma criteriosa todas as etapas do processo. 

Em seguida vem a etapa tipográfica, onde é escolhida a fonte do tipo  que irá reproduzir o texto, composto letra por letra no componedor até formar a frase que, em seguida é transferida para a rama, alinhada,  preenchida e ajustada com as guarnições de aperto da chapa  e  amarradas que, após ser  fixada na pequena impressora, serão tiradas as provas para ajustes necessários, revisão e a respectiva impressão, cópia por cópia, página por página.

 Concluída essa etapa de impressão, a finalização  se dá com a encadernação 1/2 francesa clássica, dando corpo  e forma  definitivos ao projeto. Então se dá a preparação das bonecas ou  cadernos, que recebem a costura de segurança, onde serão unidos na lombada do volume. Nesse ponto soma-se  uma técnica extra, a  do papel marmorizado que fará o revestimento externo  da capa.  Em seguida a lombada do volume irá receber um tratamento a ouro( relevo nervo falso) com o título da obra e seu autor.  Aí, mais uma vez revela-se o exímio artesão.                 

Finda a terceira  e conclusiva etapa  pode-se com certeza apreciar o resultado de três técnicas, na verdade quatro, realizadas com desenvoltura antes de tudo por um primoroso artesão, por que não? Um grande artista é antes de tudo um primoroso artesão sem nenhuma classificação ou conotação  depreciativa, decisivo e quase perfeito com as utilizadas técnicas. 

Este é um livro   em que devem ser apreciados a alquimia do artesão,   o demorado processo de elaboração e os detalhes da poética do traço,  PLATAFORMA-C um vazio cheio de gente é o seu título. Nesses tempos de isolamento e restrição,  é mesmo um paradoxo o autor voltar-se justo  para pessoas em trânsito.

Elias Abrahim Neto









 Compêndio de Gravura em Metal
Edição 2009 lançada em 2014
 no auditório da Escola Guignard-  UEMG 
 Tiragem de  60 exemplares
 Esta obra faz parte do acervo do
Museu da Imagem Gráfica em BH
Edição esgotada na noite do lançamento.





·         PAULO Roberto Lisboa. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa203624/paulo-roberto-lisboa>. Acesso em: 26 de Mar. 2021. Verbete da Enciclopédia.

ISBN: 978-85-7979-060-7

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