FEIJÃO CRU, O SIMBOLISMO QUE A LENDA ENCERRA. 

Cláudio Réche Iennaco 

Nós, leopoldinenses, reproduzimos através da cultura oral a Lenda do Feijão Cru. Dessa forma passamos a tê-la como marco representativo da gênese de nossa cidade. Essa maneira de se transmitir a cultura é, talvez, o mais eficiente expediente criado pelas sociedades, uma vez que não depende de nenhum meio tecnológico para atingir seu objetivo. Basta falar, ouvir… e replicar.

Para alguns, a absorção de dados históricos mais precisos não são tão atraentes, como o fato de que nossa cidade se emancipou de Mar de Espanha pela Lei Provincial n° 666 de 27 de abril de 1854, atingindo autonomia administrativa como município de Vila Leopoldina, tendo sua instalação oficial ocorrida em 20 de janeiro de 1855. Além de também se verificarem registros em que o nosso famoso córrego já era conhecido pelo nome Feijão Cru em documentos oficiais desde o ano de 1817, como principal referência para demarcação das sesmarias concedidas aos primeiros habitantes de Leopoldina.

As lendas apresentam-se como meios muito mais interessantes de se solidificar a cultura popular, caracterizando um hábito que é comum à todas as civilizações de se transmitir de forma geracional histórias e estórias que estimulam a sensação de pertencimento. De unidade de um povo. Por aqui dificilmente há quem tenha ciência os fatos históricos de forma precisa – o que não é um demérito, a despeito da importância inequívoca do conhecimento acadêmico. Mas, por outro lado, dificilmente há quem não conheça a Lenda do Feijão Cru.

Porém, aos que não travaram contato com a tal estória, reza a tradição oral que, por volta do início do século XIX, alguns tropeiros apearam às margens de um ribeirão, na bacia do Rio Pomba, ou Rio da Pomba como conhecido à época. Havia uma clareira em que levantaram acampamento, onde acenderam fogo para cozinhar feijão. Um dos tropeiros foi designado para a vigília da fogueira enquanto outros saíram para caçar. No entanto, tal tropeiro dormiu, o fogo se extinguiu e, ao retornarem, os seus companheiros se frustraram ao ver que o feijão estava cru. Daí surge, não só a lenda, mas também o primeiro nome do povoado que tem seu nascedouro no Largo do Rosário, que atualmente sofre mais uma intervenção urbanística.

A despeito de sua ingenuidade, uma breve estória acaba por se transformar em uma referência mais simples e sólida das origens de uma cidade. Mas a memória do povo, por mais lúdica que seja, não faz com que os problemas atuais desapareçam. O córrego que marca a origem da nossa cidade está hoje morto e quem o matou foi justamente aquele que celebra sua memória. Administrações passam, gerações passam e, no que se refere a este nosso patrimônio, só o descaso permanece.

Isso mesmo, o Feijão Cru morreu. Mas, embora morto e como é comum aos mortos, sua memória ainda vive naqueles que, por prazer ou hábito, perpetuam as tradições orais da nossa terra. E assim novamente poderemos ver em breve, o caldeirão que antes alimentava nossos pioneiros, lamentar a extinção da chama da fogueira, no Largo do Rosário, às margens do finado Feijão Cru.

BIOGRAFIA:

Advogado
Professor
Ex. Procurador Jurídico do Município de Piraúba
Ex. Assessor Jurídico do Município de Leopoldina
Autor dos livros:
A Memória do Eu em Nós (coautoria com Rodrigo Iennaco)
A Sociedade Vigiada - O medo como instrumento de controle social


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