AO GOSTO DOS ANJOS

                   O ANJO TRISTE A DESAFINAR O CORO DOS CONTENTES







       “Quando nasci, um anjo louco muito louco veio ler a minha mão...    vai bicho desafinar o coro dos contentes.”  ( Torquato Neto numa paródia a Carlos Drumonnd de Andrade, no Poema de Sete Faces:
“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida”.).
       Quando veio o repentino arrebatamento da existência para o parnaso, um príncipe careta indagou:“ E quem é este Augusto dos Anjos?” perguntou... Bilac insistiu: “Grande poeta? Não o conheço... sabem alguma coisa dele?” Então, Heitor Lima recitou o soneto  Versos a um coveiro. E depois que o amigo recitou o último verso:” Era este o poeta? Ah! Então fez bem em morrer. Não se perdeu grande coisa!”, exclamou Olavo.
       Mas Augusto vive na contemporaneidade de seus temas conturbados, que se inserem em quaisquer movimentos  e aspectos artísticos, pela intensidade de sua poesia, a solidão de sua temática, atual na tragédia destes tempos modernos de hipocrisia social e crise moral, numa ficção fantástica da realidade.       
      Em 19l4, Augusto,então no Rio de Janeiro, passava por dificuldades financeiras e atribulações, quando recebeu o convite para dirigir o Grupo Escolar Ribeiro Junqueira em Leopoldina-MG, por indicação de seu concunhado  Rômulo Pacheco, advogado, farmacêutico e redator do periódico Diário Gazeta de Leopoldina. Em Leopoldina, veio  morar no chalé à Rua Cotegipe nº 11, de propriedade do Capitão Gastão Ferreira Britto  e sua mulher Anna Leodina Netto Britto, que ficava próximo  ao Grupo Escolar que, à época, situava-se na esquina da Praça do Urubu com Rua Tiradentes. Em 20 de julho de 1935, esse  chalé foi adquirido por Dr. Abrahão Chede, conforme  matrícula 4711 do Cartório de Registro de Imóvel. Dr. Abrahão , meu querido tio-avô , advogado criminalista adjunto da promotoria, como  ex aluno e cultor  da memória do poeta,  preservou o imóvel bem cuidado enquanto viveu, evitando-se  assim  o mesmo destino da casa que hospedou D. Pedro II, onde também funcionava a papelaria  e estúdio do admirável fotógrafo César Rolly .
“Filho do carbono e do amoníaco”, acompanhado da eterna mágoa, "pintou" por estas bandas  com seu chapéu, guarda-chuva, mulher, dois filhos e “EU”.
       Leopoldina era o próprio nirvana, como afirma em carta à Sinhá Moça, sua mãe, tanto do ponto de vista da saúde como da vida material.Por aqui viveu seus últimos 144 dias, vindo a falecer, em 12 de novembro, numa  triste  e chuvosa madrugada primaveril.
     Assim que assumiu a diretoria do Grupo Escolar, intensificou os trabalhos, apresentando ao Governo do Estado o lamentável  estado de conservação da escola e a necessidade da construção de um outro. Reorganizou  o caixa  escolar, devido à baixa frequência de alunos que, pobres,não tinham  roupas para frequentar as aulas. Mesmo como diretor e por ter um vencimento de 330 mil reis e, provável auxílio moradia,anunciava, na Gazeta de Leopoldina aulas particulares de Português, Francês, Latim, Aritmética, Álgebra .... Entre seus alunos,os futuros bacharéis de Direito Abrahão Chede e José Gomes Domingues e o  contabilista Milton Ovídio de Lima .
       Abusava do café e fazia uso  do fumo com certa moderação. Luiz Russeau Botelho sempre via o poeta, com seu terno preto, na charutaria do Loloti( Pinheiro e Lacerda), em frente ao Bazar do Berbari, na rua Cotegipe. Comprava um cigarro barato, que custava 300 reis, e usava fósforos da marca  John Jokings.
      Durante o breve período em que viveu entre nós, elaborou e publicou alguns sonetos na Gazeta de Leopoldina: As montanhas, Guerra (início da Primeira Guerra), letra do hino “ A Caridade”, em parceria com o maestro  Tavares, em concorrida apresentação no Cine  Theatro Alencar. E em seu leito de morte ditou , com sua prodigiosa memória, para o amigo farmacêutico  João de Moura o “ Último Número”. Após seu falecimento são publicados dois sonetos inéditos : Vox Vitimae e Meu Nirvana, esses, como todos acima citados,  inspirados pelos ares da montanha.
     Com a morte do poeta, conforme depoimento manuscrito de Guilherme dos Anjos, d. Esther foi  à Paraíba, onde ficou por aproximados 3 meses. Retornando à Leopoldina  assume a cadeira de professora no  Grupo Escolar.
     Tio Abrahão*, figura peculiar, faleceu em 1973. Infelizmente não pude colher histórias e fatos de seu convívio com o poeta que, certamente, o iniciou nas primeiras letras,assim como, orientando em sua formação, e  influindo  na escolha da profissão.
     Pouco de materialidade há sobre o poeta, raros objetos, escassos registros e algumas fotos, numa névoa de mistério a envolvê-lo. O renomado Chico Xavier, eleito por voto popular “Personalidade do Século”, em 18 de junho   de 1940, em uma de suas visitas a Leopoldina, no Centro Espírita Amor ao Próximo,psicografou , um controverso soneto que ele atribuiu a  Augusto dos Anjos, intitulado “Gratidão a Leopoldina” e em 28 de junho 1950  o Soneto “Sou Eu”, também atribuído a Augusto.
Em 1985 fui recebido por Guilherme Augusto dos Anjos, filho do poeta, de notável e erudito conhecimento da vida e obra de Augusto, em sua residência em Niterói. Após essa visita, enviou-me, através de correspondência, um dos sonetos inacabados, reproduzidos de memória, pois o original havia se extraviado: A Nênia dos Cabelos, publicado em agosto de 1985 pelo Almanack d’o Arrebol, além de outros fragmentos inéditos de uma obra inacabada.
     Penso que nada há o que se acrescentar à biografia do poeta, de vasta fortuna crítica, depois de Francisco de Assis, Humberto Nóbrega e R. Magalhães Júnior, dentre outros, talvez apenas detalhes, correções de narrativas equivocadas  e exageros,  como, por exemplo, a réplica de Drumonnd no Jornal do Brasil de  05 de janeiro de 1980, em referência a uma entrevista de Moacir Carneiro, então com 83 anos,  à Gazeta de Leopoldina, em 24 de novembro de l979.
      Na placa afixada no chalé, onde o poeta viveu seus últimos dias, a inscrição induz à informação errônea de que  Augusto  nascera naquela casa, quando,  na verdade, é filho ilustre do Engenho Pau D’Arco, município de Sapé, norte do estado da Paraíba.
      Caretas existem por aí às pencas, sempre vão pintar em qualquer esquina,   mas o pulsar criativo, a genialidade e a fonte de inspiração da poesia de Augusto estremecem a percepção, as opiniões, pré-conceitos e  Ideias  travestidas.

Um urubu pousou na minha sopa
E a mosca caiu na minha sorte.   Elias A.Neto


*Dr. Abrahão Chede , advogado criminalista, formado pela Faculdade de Direito de Niterói,adjunto de promotor da comarca de Leopoldina.nasceu em 1908  e faleceu em 1973 aos 65 anos , vitimado pela doença do século(câncer), tendo eu permanecido ao seu lado em sua agonia final, cuja vida tem passagens curiosas e marcantes, que merecem ser desenvolvidas em outro texto.


Bibliografia:  Torquato Neto - Let’s Play That
                      Luiz Eugênio Botelho – Leopoldina de Outrora 1963, Cap XIII pag. 73 
                      Luiz Russeau Botelho – Almanack D’o Arrebol - Edição   nº6 – Out/1985
                      Almanack D’o Arrebol – Edição Nº4 de Nov/1984  Especial Augusto dos Anjos                                        
                      Gazeta de Leopoldina – Edição  13/Nov/1914 
                      Depoimentos em áudio e manuscritos de Guilherme Fialho Augusto dos Anjos
                      Fotos - Arquivo Almanaque do Arrebol


Texto  Elias Abrahim Neto

Manuscrito de Guilherme Augusto dos Anjos



Bacharéu Dr. Abrahão Chede


Dr. Abrahão Chede
Esta foto, tem sido utilizada em diversas publicações
como sendo a Escola que Augusto dos Anjos dirigiu. Esta
edificação foi concluída na década de 1920, portanto bem
depois da presença do poeta entre nós.



Nesta foto de autor desconhecido, pode-se ter uma ideia do ambiente
 à época em que Augusto o habitou. Ao lado do chalet na edificação
vizinha podem ser notados tijolos em adobe. Os oitis, provavelmente
teriam  dois anos. Foto publicada na revista "Acaiaca", comemorativa
 do centenário de Leopoldina em 1954.









VINHETAS DE ABERTURA 

Variação de Estudos

Estudos de vinhetas com ornatos tipográficos relativos à matéria alusiva à memória de Augusto dos Anjos em seus 102 anos de falecimento. Evolução visual da ideia.





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