CONTOS, POEMAS E OUTROS TEXTOS DE NATAL.





 Outro ex-menino


Elias Fajardo


“Dentro de mim há um grande vazio. Dele brotam minhas palavras.”

Clarice Lispector


      Pássaros cantam hinos ao inverno mineiro que acinzenta os montes. O sol recorta silhuetas de árvores projetadas no chão. O ônibus buzina. Na praça, o vento faz ecoar latidos de cachorros. Restos de versos lidos não se sabe onde brotam do chão da memória:
“Era uma vez um menino... que tinha o triste destino...”
O menino envelhece, seus olhos já viram muitas cenas e acontecimentos, seus passos trilharam árduos caminhos. O olhar está cansado de ver, mas o coração pede mais.
Velhas árvores fazem cantar seus dedos de folhas ao som das carícias do vento. O ex-menino queria ser como as árvores, solenes, temperadas pelo passar dos anos, firmes, generosas, raízes plantadas na terra e cabelos baloiçantes em direção ao céu.

“Eu de lá você de cá
ribeirão passa no meio
eu de cá dou um suspiro
você dá suspiro e meio”

Esta velha quadrinha pede pra ser posta no papel. Seja feita, pois, sua vontade no dia de hoje e em todos os dias de Natal.









                                   A Árvore de Natal

 Zezé Salles



     Morando numa cidade do interior, Maria tinha toda a veia artística. Desde muito jovenzinha descobriu nas artes cênicas um canal onde extravasava suas emoções e o fervilhar da sua criatividade. Gostava de ver o mundo colorir-se com os detalhes e transformações que a arte pode proporcionar. Mas sempre precisou trabalhar para seu sustento e nos trabalhos burocráticos e cansativos, a  pequena artista que sonhava em ser educadora, tornou-se “contadora” não de estórias como desejava, mas de números , nas contas infindáveis de receitas e despesas.
   O Tempo passou e quando conseguia dedicava-se a arte, eram madrugadas a fio, pintando, costurando, desenhando e escrevendo. Passava o tempo como um fio de algodão no tear da vida e a menina, virou mulher e a mulher a senhora, que da arte sobrevivia. Nestas reviravoltas da vida, foi trabalhar em um hospital, ainda faltando alguns anos para a sonhada aposentadoria, para finalmente só respirar arte. Corredores frios, doença, lágrimas, morte, passou a ser o cenário descolorido da artista. Mas o dom não se finda e como águas repressadas, quanto mais tolhido, com mais força se transborda. Nas oportunidades lá estava a sua arte, nas paredes cinzas um colorido, na pediatria um fantoche, um armário decorado de bichos, um livro que tomava vida, nas enfermarias, uma palhaça desfilando timidamente e cantando músicas antigas com as pacientes.
     Nos dois anos  seguidos um presépio era montado na recepção do hospital e os olhos curiosos observavam como jornais, papelão, areia e serragem iam se transformando num cenário bucólico nas suas mãos. Deste jeito o tempo passava mais rápido. Aconteceu que ao invés do presépio que não estaria disponível naquele ano, precisava de uma árvore de natal que preenchesse o seu vazio. E a ideia foi surgindo e concretizou-se numa árvore suspensa no teto, com seus arcos iluminados, que deixaram um ar de magia no ambiente. Na manhã seguinte o efeito, um bilhete carinhoso da recepcionista da noite, elogiando a criatividade e dizendo como ficou deslumbrada durante a madrugada de plantão ao se deparar com a árvore cintilante. Mas surpresa maior foi quando a artista, passando em frente a árvore encontrou um senhor, um antigo médico da casa, homem forte, franco nas palavras sempre enérgicas, que lhe perguntou: “- Quem fez esta árvore?”- Ela respondeu timidamente, mas tão baixo que ele não entendeu e saiu andando apressado como sempre fazia, cabeça alta, olhando cada detalhe daquele hospital onde há anos trabalhava. Até que encontrou outra pessoa mais na frente do corredor, e descobriu que foi aquela tímida artista que havia feito a árvore e a chamou. Disse que gostou muito da árvore, que deparou com ela de madrugada e ficou encantando, que queria uma igual na varanda da sua casa, quanto ela cobrava pra fazer a sua árvore. E a artista surpresa, colocou-se a disposição, necessitando apenas do material utilizado e que com bom grado faria a árvore pra ele, ficando tudo combinado.
       No dia esperado e ansiosamente aguardado para construir a árvore na sua casa, ele parecia um menino, ajudando a colocar os enfeites com nós de cirurgião, e ao terminar a tarefa, quando todas as luzes foram apagadas, ficaram os dois , a artista e o médico, admirando a árvore de papelão suspensa na varanda do sítio, brilhando como uma rainha, entre o coaxar dos sapos, e o cricrilar dos grilos, sem a competição desleal da lua cheia e das estrelas, num céu nublado de chuva, e sua  voz embargada  dizia: “ -Viramos de novo criança!”  








NATAL  NO  SERTÃO

Cidinha Lintz Machado  Silva



Distante das ilusões da cidade,
Sem riqueza e sem vaidade,
Bem no meio do sertão,
Numa choupana sombria,
Num velho canavial,
Um caboclo em devoção,
Festejava o seu Natal.
Era noite enluarada,
Cor de esmeralda era a luz,
E o caboclo em toada,
Rendia glória a Jesus!
Despontava a madrugada
Em cada flor que  se abria,
Naquela  hora  encantada,
Parece até que se via
O sorriso   de Maria!










FELIZ NATAL,OLIVER!

Terezinha de Jesus Meneghiti





     Nossa amizade ainda é incipiente e cheia de desconfianças.O que temos em comum é a mesma data de aniversário.Mas ele é bem mais jovem do que eu.
     A notícia de sua presença me chegou por telefone.Chegou sem avisar,de mansinho,sorrateiramente e em boa hora.     Foram me entregando devagarinho o seu jeito de ser:fofo,engraçado,esperto,inteligente,brincalhão e muito dengoso.De peso adequado pra sua idade,gozando de boa saúde,simples nos seus quereres e bem educado.

     Fiquei muito curiosa a seu respeito,doida pra vê-lo de perto,mas ia me contentando com as raras fotos que vez ou outra chegavam,sempre atendendo às minhas solicitações,afinal ele já era parte da família.
     Também fazia suas traquinagens,desaparecia por horas,mas sempre muito amigo,solidário e muito sensível ao seu entorno.
     Enfim,ele já tinha me conquistado.Assim,era só esperar o tempo certo para ser pessoalmente apresentada a esse ser especial.Eu sempre dizia pra mim mesma que ia dar muitos beijinhos nele,fazer alguns afagos e deixar que ele se enroscasse em mim a seu bel prazer.
     Corriam os anos e meus planos não se concretizavam.Desculpas eram construídas e o nosso primeiro contato só foi acontecer por volta de cinco anos depois de que eu tive suas primeiras notícias.
     Mas isso se deu em ocasião de muita dor e um terrível padecer.Ficamos cara a cara.Percebi que sim,ele era tudo o que dele me disseram.Pareceu-me muito mais do que lindo,também compreensivo,educado e pacífico.
     Apesar das idas e vindas daquelas pessoas que ele aprendera a amar,ele permanecia ali,enfrentando o inesperado  daquela realidade que ninguém sequer havia cogitado.

    Por ele logo demonstrei apreço,mas confesso que sua presença me causava preocupação em circunstâncias tão absurdamente indefinidas e inquietantes.
     Mas o tempo passa sem pena e sem dó e deixa um rastro de frustração, de tristeza e enormes desafios dos quais não podemos ou devemos fugir.

     Então,o nosso amigo que me foi apresentado com o simpático nome de Oliver ficou de frente com a perda de seu possivelmente grande amor.

     Agora era a sua vez de ser desafiado pela vida: mudar.Mudar de ambiente,de ares,de amigos.
     E a melhor maneira de recomeçar é aceitar o novo que se apresenta.
     E novas histórias serão escritas,a começar por este tempo.É Natal.
     Feliz Natal,gato Oliver!

      









CARTA A PAPAI NOEL

(ou do jeito que o Diabo  Gosta)


Elias Abrahim Neto

      Querido Papai Noel,como vai ? Soube que você está  aborrecido, meio pra  baixo, que as renas passam por tratamento,por terem comido capim modificado. Espero que,  ao receber minha carta, esteja com melhor ânimo. Muitas crianças órfãs , refugiadas e ingênuas aguardam  ansiosas serem atendidas em seus pedidos. Este mundão , longe de ser Wonderfull  world, também está doente,doido de pedra, necessita de uma psicoterapia grupal global.                                     

      A coisa está preta, este mundo está mesmo pirado, de pernas pro ar, cada  dia pior.   O aquecimento global derrete as calotas polares, enquanto o “biruta” Trump rejeita a convenção do clima. Os ursos polares, as girafas , os rinocerontes da África e muitas outras espécies estão em extinção. Os pinguins da Antártida veraneiam pelos trópicos onde as baleias ainda podem respirar um pouco aliviadas, pela  diminuição de sua caça. E no topo de tudo, criado à imagem de Deus, está o homem, o maior predador das espécies e do ambiente. Insensatos grupos terroristas, atentados jihadistas, movimentos fascistas e neonazistas ressurgem. Ditadores tiranos sanguinários  e inescrupulosos  sedentos de poder:  Assad, Kin Jong, Puttin,Netanyahu,  Joko, Maduro,Castros e outros menores praticam  atos contra humanidade.   E o Pop  Bob Dylan  se esquiva de comparecer à cerimônia de entrega do Nobel de Literatura, enquanto a menina Bana al  Abed de Aleppo, narra os horrores da Guerra em seu twitter.
     A homofobia, a xenofobia, a intolerância racial e religiosa , a violência das torcidas organizadas,a corrupção endêmica, a exploração econômica da  fé  andam soltas, deixando para o povo a sua conta. Enquanto isso, o primeiro negro a presidir o mais rico país  do mundo despede-se de seu mandato. Vem Trumpeira por aí.
     Aqui do lado de baixo do Equador,  em nosso país abençoado por Deus, os pecados são varridos para debaixo do tapete, balaio de gatos,caos econômico, político, crise de moralidade ética, velhas práticas políticas,conflitos nos corporativos poderes da república, lições de  desobediência, legislação em causa própria, fatiamento de leis aprovadas na calada da noite, verdadeiro besteirol, sacanagem e   pornografia barata , cordel  clandestino e anônimo de Carlos Zéfiro. Assim vem agindo a classe política de governantes, enriquecidos, a conduzir os destinos dos governados empobrecidos  e fudidos, como uma boiada inebriante e festiva rumo ao matadouro, do jeito que o diabo gosta.
     Acho que Deus está cochilando, decepcionado com a criação. Quando acordar, vai ter que cortar um dobrado para consertar a ordem das coisas, que estão  todas de pernas para o ar. Os santos de todas as denominações estão em greve geral, convocada pelo movimento sindical celeste . Os anjos da guarda estão  estressados pela grande demanda de pedidos de  auxílio. E é aí que o diabo ( tinhoso, demo, luci. Satã, belze, são muitos) deita e rola  virando este mundo pirado pelo avesso. Deus cochilou, e o diabo aproveitou, quanto pior melhor .

     Como se não bastasse, aquela estrela cadente esmagou todos os nossos sonhos e esperanças.O galo cantou três vezes, a fragilidade  humana negou Jesus e o traiu por dinheiro.
     Abraços calorosos,   na expectativa de  que o novo ano seja  anúncio de nova era ,  com justiça , tolerância,  trégua nos conflitos, menos preconceito, menos fome  e mais  curas para as doenças que nos assolam e milagres.
     
 Ufa !  Que ano difícil  este que está a findar! Mas  o mundo ainda não acabou e existem outros mundos por aí.

·      Uma menina de 12 anos, em seu leito, dirigiu-se a mim dizendo que estava “partindo”.Diante de sua fala, eu exclamei: “ Este mundo é cruel, não te merece. Você não vai morrer nunca.”Eu  disse isso batendo em meu peito. O que mais eu poderia dizer!? Cinco dias depois, de fato, ela “partiu”, deixando uma lição de coragem e superação. Seu falecimento inspirou-me este texto.


**Os adereços utilizados como ilustração que intercalam os textos foram confeccionados por Izabel Cristina Meneghiti Abrahim  com canudos elaborados a partir de revistas.

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